Quando o grito soou seu horror até nós, todos corremos para a praça, e lá no centro, bem no centro, entre os dois pés de boceta e a estátua de São Longuinho, deitava o cachorro morto, bem morto no centro da praça. Seu olho morto, sua língua lambendo o sangue do chão, e era o gosto do próprio sangue que ele sentia. E era o menino morto que deitava ali, e ria-se da própria morte.
Um homem chorava sua morte, a morte do cachorro morto na praça, e era o próprio homem que matara o cachorro. E era a morte do menino que o homem chorava, do menino que ele matara, e ele arrastava o menino morto pelas perninhas finas e o deitava na sombra, deitava o cachorro na sombra, e era a mãe do menino que dizia, esse homem não tem Deus no coração, e isso repetiam os jornais das TVs que cercavam a praça, esse homem não tem Deus no coração, e esse era o horror que soava da praça.
O morto, os dois pés de boceta, o São Longuinho, eram uma cruz no meio da praça, a sombra da cruz da igreja da praça, que toava seu sino. E todos voltaram seus olhos para o relógio da igreja. Até o menino voltou seus olhos mortos para o relógio da igreja. E era o cachorro morto que levantava e olhava para o relógio da igreja, e uivava com o sino da igreja. E o relógio marcava seis e meia, mas seus ponteiros apontavam para o céu.
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